domingo, 18 de janeiro de 2015

A Inesperada Virtude da Ignorância

2014 nos reservou produções de caráter coletivo, por vezes salientando a experiência libertária de idealizadores em âmbito cultural e também pessoal, a exemplo do aclamado Wild Tales (Relatos Selvagens), de Damián Szifron, ou Boyhood, de Richard Linklater, no entanto poderíamos definir Birdman, de Alejandro Iñárritu, a obra mais consistente do ano neste sentido, sem perder, todavia, o viés metafórico e ainda assim metalinguístico. É neste ponto que Birdman é tão especial. Uma obra despida de egos e a favor de um cinema questionador em sua forma, que perfila um amplo legado cultural de ontem refletido em ações presentes.

O cinema falando da própria indústria, dos blockbusters, espetáculos teatrais e formação mecânica de celebridades. Com boas doses de sarcasmo, a relação dessa dinâmica massacrante que submerge entre personagens frustrados do mundo artístico, aqui revelada em paranoias, medo da rejeição, na mais pífia inveja, e até na existência de duplas personalidades, encontra um cenário perfeito para que o diretor mexicano pudesse usar e abusar de planos sequências, uma vez emulando o exercício ensaiado que é o teatro (universo quase hegemônico no longa).

Já não bastasse o trabalho minucioso realizado na fotografia, a cargo de Emmanuel Lubezki, consagrado por trabalhos em Gravity (Gravidade), pelo qual recebeu estatueta do Oscar, além de The Tree of Life (Árvore da Vida) e Children of Men (Filhos da Esperança), a trilha sonora que sintetiza batidas não ritmadas de bateria durante toda a projeção do filme contribui para imersão do espectador na realidade conflituosa e desordenada da figura mór da trama, vivida por Michael Keaton, ator irônica ou propositalmente escolhido para o papel com intuito metafórico, desta vez estabelecido através da figura do herói, visto que o próprio Keaton não realizou qualquer trabalho substancialmente reconhecido desde Batman, parceria com Tim Burton nos anos 80.

Se os fantasmas de Michael Keaton o perturbavam, assim como acontece à sua extensão às telas em Birdman, agora não mais. O presente de Iñárritu ao ator já lhe rendeu premiação no Globo de Ouro e mesma indicação ao Oscar 2015. Keaton soube aproveitar a chance de provar toda a experiência da maturidade artística e usufrui, justa e dignamente, de grande reconhecimento no que alguns chamariam “a melhor performance da carreira” do ator. O longa ainda concorre em categorias como: melhor filme, diretor, fotografia, roteiro original, edição e mixagem de som, atriz coadjuvante, além ator coadjuvante pela performance pontual do também impecável Edward Norton. E se é na representação simbólica camuflada de realidade que Birdman agrega significado e encontra asas para voar, obter destaques em competições cinematográficas beira o profético dentro de sua construção temática. E por que não, mais uma vez, o irônico?

Nenhum comentário:

Postar um comentário