terça-feira, 15 de setembro de 2015

Love, de Gaspar Noé


A honestidade no cinema é substancialmente volátil e por vezes desapreciada. A reviravolta ao fim, o inesperado, o improvável, tende a agradar muito mais a um público facilmente impressionável, vide modus operandi da indústria fílmica, do que saber lidar com o presumível e ainda assim surpreender-se, mas não da forma convencional, ditada, empurrada goela abaixo.

Basta da trivialidade de produções medíocres! Por mais honestidade cinematográfica e levantamento de questões deixadas às margens! Neste âmbito, Gaspar Noé desponta. Seu cinema ainda que demasiadamente pessoal, é de uma lhaneza orgânica espantosa. Em Love, primeiro longa 3D do diretor, não foi diferente. A narrativa não-linear mais uma vez não dissimula ou camufla, e sim desnuda o estudo acerca dos recorrentes estágios da história de um casal: o ideal romântico, quase platonizado, a posse, a traição, o desencanto e o desapego sofrível do término.

Aqui o honesto Noé nos insere em profundidade na rotina dos amantes, quase como voyers – o artifício do fade out em repetição curta e rápida torna isso ainda mais verossímil. O diretor nos promete novamente algo em completa contramão ao habitual, e em mais uma de suas experiências sensoriais - mais sentimental do que sensorial, por assim dizer -, trouxe-nos o amor como pauta para discussão. Ok, tema desgastado pela abordagem facilitadora de identificação. Só que o que Gaspar faz é ainda assim inédito. Ele recheia o longa de cenas de sexo explícito e discussões de gênero em torno de sexualidade e fidelidade. Nada mais natural, visto que o sexo é inerente às relações humanas, sejam elas quais forem. Censurar isso é como ignorar nossa existência.

Ao quebrar tabus, Noé utiliza de trilha sonora contemplativa, de direção de arte em extremo acerto, de cores simbólicas e como não poderia deixar de ser, das inúmeras homenagens a títulos supremos da sétima arte através dos vários pôsters em plano de fundo; soando subliminar acerca do que se dava em primeiro plano. Referência cinematográfica e estudo de personagem andam juntos no cinema de Noé. Além disso, quase como uma assinatura, os ganchos narrativos de toda sua filmografia também são desmistificados durante a projeção.

Todavia, além de honesto, Noé sabe ser grato. Incontáveis são as homenagens à influência do cinema de Kubrick em sua obra. Desta vez, em Love, ele vai além e verbaliza esta intervenção por intermédio do seu alter ego nas telas: “2001 foi o filme que me fez amar o cinema”, sentencia Murphy, personagem principal do longa. Nomeado assim em menção à própria lei de Murphy que diz que se algo pode dar errado, dará. Mais uma vez Noé carimba a lhaneza em relação ao destino daquele casal, afinal “o tempo destrói tudo”, segundo a máxima de Irreversível, seu longa de 2002.

Já por outro viés, é improvável também não relacionar Love a De Olhos Bem Fechados, última obra de Kubrick. Ambos os filmes se assumem como uma ácida análise acerca de relações amorosas e todas suas implicâncias morais, recessão de utopias, desejos reprimidos em prol da dinâmica de convivência entre duas pessoas.

Lágrimas, sangue, esperma: os fluidos quais tipificam nossa pluralidade existencial estão em comunhão potencializada em Love. A linguagem metalinguística, por sua vez, é a grande protagonista da obra que torna-se uma estonteante combinação entre hiper-realidade e vanguarda, e, sem propor classificações de gênero, supera qualquer tipo de convenção. Uma experiência cinematográfica que não se pode deixar de ter.