A
honestidade no cinema é substancialmente volátil e por vezes
desapreciada. A reviravolta ao fim, o inesperado, o improvável,
tende a agradar muito mais a um público facilmente impressionável,
vide modus operandi da indústria fílmica, do
que saber lidar com o presumível e ainda assim surpreender-se, mas
não da forma convencional, ditada, empurrada goela abaixo.
Basta
da trivialidade de produções medíocres! Por mais honestidade
cinematográfica e levantamento de questões deixadas às margens!
Neste âmbito, Gaspar Noé desponta. Seu cinema ainda que
demasiadamente pessoal, é de uma lhaneza orgânica espantosa. Em
Love, primeiro longa 3D do diretor, não foi diferente. A
narrativa não-linear mais uma vez não dissimula ou camufla, e sim
desnuda o estudo acerca dos recorrentes estágios da história de um
casal: o ideal romântico, quase platonizado, a posse, a traição, o
desencanto e o desapego sofrível do término.
Aqui
o honesto Noé nos insere em profundidade na rotina dos amantes,
quase como voyers – o
artifício
do fade out
em repetição curta e rápida torna isso ainda mais verossímil. O
diretor nos promete novamente
algo em completa contramão ao habitual, e em mais uma de suas
experiências sensoriais - mais sentimental do que sensorial, por
assim dizer -, trouxe-nos o amor como
pauta para
discussão. Ok, tema desgastado pela abordagem facilitadora
de identificação. Só que o
que Gaspar faz é ainda assim
inédito. Ele recheia o longa
de cenas de sexo explícito e discussões de gênero em torno de
sexualidade e fidelidade. Nada mais natural, visto que o sexo é
inerente às relações humanas, sejam elas quais forem. Censurar
isso é como ignorar nossa
existência.
Ao
quebrar tabus, Noé utiliza
de trilha sonora contemplativa, de direção de arte em extremo
acerto, de cores simbólicas e como não poderia deixar de ser, das
inúmeras homenagens a títulos supremos da sétima arte através dos
vários pôsters em plano de fundo; soando subliminar acerca do que
se dava
em primeiro plano. Referência cinematográfica e estudo de
personagem andam juntos no cinema de Noé. Além disso, quase como
uma assinatura, os ganchos
narrativos
de toda sua filmografia também são desmistificados
durante a projeção.
Todavia,
além de honesto, Noé sabe ser grato. Incontáveis são as
homenagens à influência do cinema de Kubrick em sua obra. Desta
vez, em Love, ele vai
além e verbaliza esta intervenção por intermédio do seu alter ego
nas telas: “2001 foi o filme que me fez amar
o cinema”, sentencia
Murphy, personagem principal do
longa. Nomeado assim em
menção à própria lei de Murphy
que diz que se algo pode dar errado, dará. Mais uma vez Noé carimba
a lhaneza em relação ao destino daquele casal, afinal “o tempo
destrói tudo”, segundo a máxima de Irreversível, seu longa de
2002.
Já
por outro viés, é
improvável também não relacionar Love
a De Olhos Bem Fechados,
última obra de Kubrick. Ambos os filmes se assumem como uma ácida
análise acerca de relações amorosas e todas suas implicâncias
morais, recessão de utopias, desejos reprimidos em prol da dinâmica
de convivência entre duas pessoas.
Lágrimas,
sangue, esperma: os fluidos quais tipificam
nossa pluralidade existencial estão em comunhão potencializada em
Love. A linguagem
metalinguística, por sua vez, é a grande protagonista da obra que
torna-se uma estonteante combinação entre hiper-realidade e
vanguarda, e, sem propor classificações de gênero, supera qualquer
tipo de convenção. Uma experiência cinematográfica que não se
pode deixar de ter.