Se
há uma película que faz jus literalmente ao nome que carrega, esta
é Deux Jours, Une Nuit (Dois Dias, Uma Noite), dos irmãos
Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne (2014). O filme revela-se através de
temáticas banais à primeira vista. Essas questões aparentemente
simples se desenvolvem exatamente à maneira que o título propõe:
sutil e despretensiosamente; o ritmo ameno é uma constante. Ao
desdobramento dos seus 90 minutos, são trazidos à tona temas densos
que vão desde de crise econômica; ambição por dinheiro; conflitos
familiares; até o maior de todos eles, o grande maestro do drama e
vilão da sociedade moderna: a depressão.
A
doença que atinge cerca de 7% da população mundial é um problema
de saúde pública, e indicada por muitos especialistas como o mal do
século. É justamente deste drama
que sofre a personagem vivida por Marion Cotillard no longa dos
irmãos Dardenne. Aliás, não seria exagero algum dizer que o filme
é conduzido pela atuação visceral da atriz. Marion traz linguagem
corporal impecável de uma mulher apática, desentusiasmada: traços
típicos da condição de um depressivo.
Durante
a projeção acompanhamos a odisseia da protagonista em não cair nas
garras do fantasma do desemprego, após meses afastada do trabalho
por conta da doença psicológica. A sua luta parece encontrar resistência na
soberba alheia, e ainda na persistência de sua fragilidade emocional. É
neste ponto que os diretores, ao fugir do tradicional, fazem mágica.
O hiper realismo rege a obra. A rotina da personagem é antagonizada
a qualquer ideal romântico. Impossível não ater-se às suas dores.
Choramos e sangramos suas feridas ainda expostas, potencializadas
pelas responsabilidades de ser ainda esposa e mãe.
Eis
um cenário regado a tarjas pretas, choros constantes e até
tentativa de suicídio. Tudo à maneira mais frívola que seja
possível imaginar. Uma personagem que batalha pela sobrevivência
praticamente no piloto automático: expressões indiferentes, olhar perdido, sorriso
preso, ombros pesados de quem carrega consigo tamanha insatisfação,
revelada numa dificuldade extrema até mesmo de sentir a dor dos
próprios fracassos.
Em
meio ao caos psicológico, uma cena do longa se destaca por
sintetizar a forte influência da música sobre a saúde emocional do
ser humano. Pode-se dizer, inclusive, que seja o único momento em
que a personagem esboça um sorriso genuíno: quando escuta e
cantarola uma canção de rock. Platão, filósofo grego, já dizia
que a música é o remédio da alma. Atualmente há muitos estudos
sobre os seus efeitos terapêuticos, sendo capaz de atuar na melhoria
do humor, do sono, diminuindo a ansiedade e o estresse, além de
estimular a imaginação e a criatividade.
Dois
Dias, Uma Noite, entretanto, é um filme silencioso, sem colocar em
risco a profundidade da reflexão que propõe. A presença contida da
trilha sonora; demasia de sequências realizadas com a câmera no
ombro; e certo viés hibrido, evidenciam as sutilezas das relações
cotidianas e dilemas morais. Mais muito além disso, a película é
um microcosmo da realidade de um país desenvolvido, a Bélgica (onde
foram rodadas as filmagens), que ainda enfrenta problemas econômicos
recorrentes a qualquer sociedade; o que traz certa alusão à atual
crise da União Europeia. Através desta ótica, os irmãos Dardenne
conseguem transformar o discurso panfletário e desolado da
protagonista num embate com a realidade de um mundo
corporativo anárquico.