sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Dois Dias, Uma Noite

Se há uma película que faz jus literalmente ao nome que carrega, esta é Deux Jours, Une Nuit (Dois Dias, Uma Noite), dos irmãos Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne (2014). O filme revela-se através de temáticas banais à primeira vista. Essas questões aparentemente simples se desenvolvem exatamente à maneira que o título propõe: sutil e despretensiosamente; o ritmo ameno é uma constante. Ao desdobramento dos seus 90 minutos, são trazidos à tona temas densos que vão desde de crise econômica; ambição por dinheiro; conflitos familiares; até o maior de todos eles, o grande maestro do drama e vilão da sociedade moderna: a depressão.

A doença que atinge cerca de 7% da população mundial é um problema de saúde pública, e indicada por muitos especialistas como o mal do século. É justamente deste drama que sofre a personagem vivida por Marion Cotillard no longa dos irmãos Dardenne. Aliás, não seria exagero algum dizer que o filme é conduzido pela atuação visceral da atriz. Marion traz linguagem corporal impecável de uma mulher apática, desentusiasmada: traços típicos da condição de um depressivo.

Durante a projeção acompanhamos a odisseia da protagonista em não cair nas garras do fantasma do desemprego, após meses afastada do trabalho por conta da doença psicológica. A sua luta parece encontrar resistência na soberba alheia, e ainda na persistência de sua fragilidade emocional. É neste ponto que os diretores, ao fugir do tradicional, fazem mágica. O hiper realismo rege a obra. A rotina da personagem é antagonizada a qualquer ideal romântico. Impossível não ater-se às suas dores. Choramos e sangramos suas feridas ainda expostas, potencializadas pelas responsabilidades de ser ainda esposa e mãe.

Eis um cenário regado a tarjas pretas, choros constantes e até tentativa de suicídio. Tudo à maneira mais frívola que seja possível imaginar. Uma personagem que batalha pela sobrevivência praticamente no piloto automático: expressões indiferentes, olhar perdido, sorriso preso, ombros pesados de quem carrega consigo tamanha insatisfação, revelada numa dificuldade extrema até mesmo de sentir a dor dos próprios fracassos.

Em meio ao caos psicológico, uma cena do longa se destaca por sintetizar a forte influência da música sobre a saúde emocional do ser humano. Pode-se dizer, inclusive, que seja o único momento em que a personagem esboça um sorriso genuíno: quando escuta e cantarola uma canção de rock. Platão, filósofo grego, já dizia que a música é o remédio da alma. Atualmente há muitos estudos sobre os seus efeitos terapêuticos, sendo capaz de atuar na melhoria do humor, do sono, diminuindo a ansiedade e o estresse, além de estimular a imaginação e a criatividade.

Dois Dias, Uma Noite, entretanto, é um filme silencioso, sem colocar em risco a profundidade da reflexão que propõe. A presença contida da trilha sonora; demasia de sequências realizadas com a câmera no ombro; e certo viés hibrido, evidenciam as sutilezas das relações cotidianas e dilemas morais. Mais muito além disso, a película é um microcosmo da realidade de um país desenvolvido, a Bélgica (onde foram rodadas as filmagens), que ainda enfrenta problemas econômicos recorrentes a qualquer sociedade; o que traz certa alusão à atual crise da União Europeia. Através desta ótica, os irmãos Dardenne conseguem transformar o discurso panfletário e desolado da protagonista num embate com a realidade de um mundo corporativo anárquico.