Se
é na tempestade de sapos em Magnólia que Paul Thomas Anderson
encontra a fórmula para redenção dos conflitos de seus
personagens, em A História da Eternidade, primeiro longa metragem de
Camilo Cavalcante, não é tão diferente. A árida terra do sertão
nordestino clama por chuva; chuva esta que cairá para lavar a alma e
pôr fim à agonia daqueles que precisam: o chefe de família
bitolado e machista, o artista não compreendido, a jovem recheada de
utopias, o rapaz da cidade grande que busca refúgio para seus
delitos, a senhora de fé latente e visão deturpada do pecado, a
mulher amargada pelas perdas e o sanfoneiro cego em constante busca
pelo amor em sua essência.
"Uma
Câmera na mão e uma ideia na cabeça", a máxima do Cinema
Novo, dita por Glauber Rocha, líder do movimento, pareceu
inspirar o diretor pernambucano. A sua obra de estreia protagoniza
uma das sequências mais sensíveis vistas nos últimos tempos no
cinema nacional. João, o artista, personagem de Irandhir Santos
(sempre brilhante), traz a vitrola para a rua e engatilha um disco.
Podemos ouvir "Fala" na versão do grupo Secos e Molhados.
Ele performa toda a canção; em simultaneidade a câmera gira ao seu
redor desmistificando a reação de todo o povoado que, estático,
assiste à cena; numa possível referência à tentativa de quebra
com o tradicional; algo que o subversivo grupo musical carregava.
A
necessidade usual de usar o sertão como palco para produções
cinematográficas sempre pairou o mundo inventivo dos realizadores
nacionais, não só pelo natural deslumbre visual, mas também para
reforçar o hibridismo de um discurso por vezes ácido. O próprio
Cinema Novo comprova essa peculiaridade, a exemplo de Deus e o Diabo
na Terra do Sol (1964), do próprio Glauber Rocha. Essa "tendência"
retorna em grande estilo nas mãos e através do olhar sensível de
Camilo.
A
partir de construção de personagem elaborada com minúcia, o
diretor pernambucano correlaciona poderosos contos narrativos,
ambientados com extremo rigor estético. Em A História da Eternidade
a direção de fotografia é impecável. Não pelo uso visual da
miséria, pois aqui encontramos beleza cinematográfica, de
enquadramentos precisos, de alegorias visuais perfeitas. Mas não só
isso. As narrativas tratam de se cruzar e trazer consigo uma densa
gama de reflexões. Nesse viés, um povoado despido de qualquer
polidez social traz uma atmosfera atípica onde se confundem espaço
e tempo.
A
História da Eternidade é uma obra essencialmente incongruente: trivial e surpreendente. Simples e impactante. Dramática e bela. Um
convite para os olhos. Uma obra que empresta ares de uma
hiper-realidade quase documental, sem que assim, no entanto, a
emotividade fique em segundo plano. Afinal, "a confusão dos
sentidos, traz a nitidez do desejo".