sábado, 21 de março de 2015

A História da Eternidade




Se é na tempestade de sapos em Magnólia que Paul Thomas Anderson encontra a fórmula para redenção dos conflitos de seus personagens, em A História da Eternidade, primeiro longa metragem de Camilo Cavalcante, não é tão diferente. A árida terra do sertão nordestino clama por chuva; chuva esta que cairá para lavar a alma e pôr fim à agonia daqueles que precisam: o chefe de família bitolado e machista, o artista não compreendido, a jovem recheada de utopias, o rapaz da cidade grande que busca refúgio para seus delitos, a senhora de fé latente e visão deturpada do pecado, a mulher amargada pelas perdas e o sanfoneiro cego em constante busca pelo amor em sua essência.

"Uma Câmera na mão e uma ideia na cabeça", a máxima do Cinema Novo, dita por Glauber Rocha, líder do movimento, pareceu inspirar o diretor pernambucano. A sua obra de estreia protagoniza uma das sequências mais sensíveis vistas nos últimos tempos no cinema nacional. João, o artista, personagem de Irandhir Santos (sempre brilhante), traz a vitrola para a rua e engatilha um disco. Podemos ouvir "Fala" na versão do grupo Secos e Molhados. Ele performa toda a canção; em simultaneidade a câmera gira ao seu redor desmistificando a reação de todo o povoado que, estático, assiste à cena; numa possível referência à tentativa de quebra com o tradicional; algo que o subversivo grupo musical carregava.

A necessidade usual de usar o sertão como palco para produções cinematográficas sempre pairou o mundo inventivo dos realizadores nacionais, não só pelo natural deslumbre visual, mas também para reforçar o hibridismo de um discurso por vezes ácido. O próprio Cinema Novo comprova essa peculiaridade, a exemplo de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), do próprio Glauber Rocha. Essa "tendência" retorna em grande estilo nas mãos e através do olhar sensível de Camilo.

A partir de construção de personagem elaborada com minúcia, o diretor pernambucano correlaciona poderosos contos narrativos, ambientados com extremo rigor estético. Em A História da Eternidade a direção de fotografia é impecável. Não pelo uso visual da miséria, pois aqui encontramos beleza cinematográfica, de enquadramentos precisos, de alegorias visuais perfeitas. Mas não só isso. As narrativas tratam de se cruzar e trazer consigo uma densa gama de reflexões. Nesse viés, um povoado despido de qualquer polidez social traz uma atmosfera atípica onde se confundem espaço e tempo.

A História da Eternidade é uma obra essencialmente incongruente: trivial e surpreendente. Simples e impactante. Dramática e bela. Um convite para os olhos. Uma obra que empresta ares de uma hiper-realidade quase documental, sem que assim, no entanto, a emotividade fique em segundo plano. Afinal, "a confusão dos sentidos, traz a nitidez do desejo".