Resistência
às empreiteiras, ao projeto Novo Recife, ao governo vigente e ao
golpe. Aquarius é, acima de tudo, um tratado acerca da luta.
Clara, personagem de Sônia Braga, mergulha no mar da praia de Boa
Viagem como quem parece não temer os tubarões. E ela não os teme.
Temer jamais!
O
segundo longa do pernambucano Kléber Mendonça Filho traz, assim
como no anterior O Som ao Redor, um
microcosmo muito particular de uma realidade sociopolítica
não só inerente
à cidade do
Recife -onde hegemonicamente
é realizado-
por isso
se configura
universal.
Aquarius
ganhou
repercussão antes mesmo de estrear nas
salas do Brasil, vide protesto no tapete vermelho do Festival de
Cannes (França), onde concorria em algumas
categorias,
entre elas melhor filme e atriz. O ato de enfrentamento foi realizado
por parte do elenco e produção e alertava acerca do golpe
em
curso
que vivia
(ou vive) o
nosso
país. Nada mais natural, se
tratando de uma obra que toca nesta ferida, ainda
que sutilmente,
isenta de
peso de
denúncia.
Não
é natural, por outro lado, a
obra
sofrer intervenções
políticas
na sua
distribuição
ou
em outros setores do
processo
criativo. Em
contrapartida,
o famigerado
Ministério da Cultura
(de existência frágil no governo Temer)
mexeu
os pauzinhos para
destituir a
indicação do
longa
ao Oscar.
Assistimos
mais
doses de
veneno autoritário para o embrutecimento coletivo!
São motins
subjetivos aos quais estamos sujeitos a sofrer todos os dias, assim
como Clara. Assim como Sônia. Tanto
personagem como atriz se tornam arquétipos
próprios
desta
obra. Como elas, o filme não
foi combatido, como antes se combatia
formas de arte consideradas
inoportunas.
Ou
até
como era
polemizada e
crucificada
a
figura de um
sex symbol,
como Sônia
nos
anos setenta. Tal
qual a
narrativa,
aqui
a sutileza
se faz presente
e concebe uma espécie de censura acanhada, sem
cruzes ou fogueiras,
mas carregada
de sordidez em
“pequenos” atos:
exclusão
da indicação ao
Oscar,
no
limite da indicação
etária,
etc.
E
quando essa tentativa de silenciamento é
confrontada,
na
trama,
pela resistência de
uma figura
feminina
madura,
sem temores, sendo
como é -metonímia
ao Edf. Aquarius- percebemos que a luta dela é contra
convenções. O embate
imobiliário é apenas o pano de fundo para todas estas perversões
de expectativas que o longa
sugere
nas entrelinhas.
A
personagem
de Sônia é como o nome adianta, clara.
E
a
transparência
nesta alegoria
do ser mostra que ela também é capaz de reproduzir modos
tipicamente burgueses,
como frequentar restaurantes finos ou até
ter
um carro importado na garagem
- ainda que isso não invalide de forma alguma
o mote de sua luta. Mais uma vez Kléber indica que estereotipar
minimiza. Por isso saiba que Aquarius
irá
dizer mais sobre
você do que sobre
ele
mesmo.
Além
de toda essa carga
subjetiva, o filme é tecnicamente um deleite. Os flashbacks ao Recife de antigamente são primorosamente realizados-
um ponto e tanto para o trabalho de direção de arte de Thales
Junqueira e Juliano Dornelles.
A trilha sonora diegética, por vezes até verbalizada, trata acerca da força do som e das memórias. O longa também transporta uma certa atmosfera de suspense, que tudo tem a ver com o contexto cavernoso vivenciado pelo país durante sua concepção. Me parece, utilizando de licença poética, que Aquarius se torna ainda mais metafórico, histórico e enérgico por conta esta “coincidência”.
A trilha sonora diegética, por vezes até verbalizada, trata acerca da força do som e das memórias. O longa também transporta uma certa atmosfera de suspense, que tudo tem a ver com o contexto cavernoso vivenciado pelo país durante sua concepção. Me parece, utilizando de licença poética, que Aquarius se torna ainda mais metafórico, histórico e enérgico por conta esta “coincidência”.
Li
uma frase retirada de uma
crítica que diz Aquarius
ser um presente de Kléber
à Sônia Braga.
Mas
se lutamos, se derrubamos tabus e resistimos, somos todos Sônia.
Somos todos Clara.
Obrigada
pelo presente, Kléber.