Alfred
Hitchcock beira o didático nesta obra laboratorial do fim da
década de 40. Rope (Festim Diabólico) foi por inteiro concebido
em planos sequencias de
apenas oito cortes sutilmente costurados,
a fim de não serem percebidos. Com essa técnica, o diretor inova
uma linguagem cinematográfica e originaliza ainda mais a narrativa
que por si só já nos oferece uma quebra com o tradicional.
Festim
Diabólico consegue ser impactante mesmo na ausência de efeitos
visuais ou cenas ágeis, pois é no trato de temas como sadismo,
homicídio, vaidade humana e sua arrogância cega, que nos é
entregue a obra mais verossímil do gênero naquele período. Isso
porque, acima de tudo, Festim Diabólico trata do real, do que é
palpável, e não do suspense sobrenatural típico. Ainda assim,
durante os 80 minutos de projeção, o espectador se vê um voraz
observador onipresente e onisciente. Aqui temos conhecimento do
assassinato e do(s) assassino(s) desde o primeiro momento, o thriller
engata e se desenvolve na maneira como eles serão descobertos.
O
primeiro longa-metragem em technicolor de Hitchcock ainda traz uma
discussão ousada para a época: a homossexualidade. Mas tudo isso de
forma muito natural, visto que nada é deixado às claras. Essa pauta
é tratada com uma sutileza ímpar e deixada nas entrelinhas para um
público atento. O diretor mostra mais uma vez ser muito a frente de
seu tempo, e para isso designa um elenco inquestionavelmente
envolvido. Entre os atores, a primeira de tantas parcerias com o
brilhante James Stewart.
Baseado
numa história real, o roteiro de Festim Diabólico se dá num
cenário hegemônico: as dependências do apartamento dos criminosos,
que também servem de palco para o crime. Há apenas uma externa no
longa: a primeira cena. Num convite à claustrofobia, o sarcasmo e a
tensão se tornam os grandes protagonistas. Este é um
daqueles filmes que não se consegue piscar por um segundo se quer!
Inovador
em sua técnica, de interpretações impecáveis, enredo
psicologicamente questionador e ares de um noir art house, Festim
Diabólico é uma pérola subvalorizada e pouco conhecida do grande
mestre do suspense Alfred Hitchcock. O diretor cria um estilo
narrativo que se assemelha muito, por exemplo, ao recente Funny Games
(Violência Gratuita, 2007), de Michael Haneke; ou até mesmo um
experimento para suas obras seguintes, como Rear Window (Janela
Indiscreta, 1954) e Psycho (Psicose, 1960). Propositalmente ou não,
em Festim Diabólico, Hitchcock nos dá pistas do que viria produzir
anos depois, além de assinar um divisor de águas na sua carreira.
Festim Diabólico é original até para os padrões atuais; uma aula
atemporal de como se fazer cinema.