segunda-feira, 11 de maio de 2015

Festim Diabólico


Alfred Hitchcock beira o didático nesta obra laboratorial do fim da década de 40. Rope (Festim Diabólico) foi por inteiro concebido em planos sequencias de apenas oito cortes sutilmente costurados, a fim de não serem percebidos. Com essa técnica, o diretor inova uma linguagem cinematográfica e originaliza ainda mais a narrativa que por si só já nos oferece uma quebra com o tradicional.

Festim Diabólico consegue ser impactante mesmo na ausência de efeitos visuais ou cenas ágeis, pois é no trato de temas como sadismo, homicídio, vaidade humana e sua arrogância cega, que nos é entregue a obra mais verossímil do gênero naquele período. Isso porque, acima de tudo, Festim Diabólico trata do real, do que é palpável, e não do suspense sobrenatural típico. Ainda assim, durante os 80 minutos de projeção, o espectador se vê um voraz observador onipresente e onisciente. Aqui temos conhecimento do assassinato e do(s) assassino(s) desde o primeiro momento, o thriller engata e se desenvolve na maneira como eles serão descobertos.

O primeiro longa-metragem em technicolor de Hitchcock ainda traz uma discussão ousada para a época: a homossexualidade. Mas tudo isso de forma muito natural, visto que nada é deixado às claras. Essa pauta é tratada com uma sutileza ímpar e deixada nas entrelinhas para um público atento. O diretor mostra mais uma vez ser muito a frente de seu tempo, e para isso designa um elenco inquestionavelmente envolvido. Entre os atores, a primeira de tantas parcerias com o brilhante James Stewart.

Baseado numa história real, o roteiro de Festim Diabólico se dá num cenário hegemônico: as dependências do apartamento dos criminosos, que também servem de palco para o crime. Há apenas uma externa no longa: a primeira cena. Num convite à claustrofobia, o sarcasmo e a tensão se tornam os grandes protagonistas. Este é um daqueles filmes que não se consegue piscar por um segundo se quer!

Inovador em sua técnica, de interpretações impecáveis, enredo psicologicamente questionador e ares de um noir art house, Festim Diabólico é uma pérola subvalorizada e pouco conhecida do grande mestre do suspense Alfred Hitchcock. O diretor cria um estilo narrativo que se assemelha muito, por exemplo, ao recente Funny Games (Violência Gratuita, 2007), de Michael Haneke; ou até mesmo um experimento para suas obras seguintes, como Rear Window (Janela Indiscreta, 1954) e Psycho (Psicose, 1960). Propositalmente ou não, em Festim Diabólico, Hitchcock nos dá pistas do que viria produzir anos depois, além de assinar um divisor de águas na sua carreira. Festim Diabólico é original até para os padrões atuais; uma aula atemporal de como se fazer cinema.