sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Relatos Selvagens


Uma simbiose de Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (1972), de Woody Allen; episódios das desventuras do Papa-Léguas e Coiote; universo “tarantinesco”; debates éticos e políticos dentro das instituições familiar e social; sem esquecer a palavra de ordem: vingança. Este é Relatos Selvagens (2014), de Damián Szifron. Através de situações recorrentes ao cotidiano, as tensões das relações de poder em um sistema sublimam, e momentos simplórios se tornam palco para o humor trash.

Ao utilizar um formato pouco explorado, porém eficaz ao dinamismo narrativo da obra, Damián encontra na fragmentação do longa em 6 curtas, um fortíssimo mecanismo técnico de apoio no trato com temas sociais e antropológicos: denúncia e crítica à própria condição humana, aos fracassos e fenômenos da modernidade.

Além disso, o compositor Gustavo Santaolalla utiliza-se da trilha sonora para suavizar e/ou destacar questões densas e por vezes nos dizer mais do que a própria linguagem imagética e verbal poderia, para assim reforçar a natureza degradada do homem, abjeção moral e instintividade agressiva, mais uma vez em prol do humor. As cenas de violência ganharam ainda mais força quando aliadas à inserção cuidadosa e sarcástica da música, a exemplo de duas faixas da trilha sonora do filme Flashdance (1983), e da valsa Blue Danube.

Relatos Selvagens conta com o ator argentino Ricardo Dárin e grande elenco. O longa concorre ainda na categoria filme estrangeiro na competição pela estatueta do Oscar, que acontecerá no próximo dia 22 de fevereiro. Pedro Almodóvar, que assinou a produção, declarou ser fã da obra, mesmo que esta se desaproxime do seu estilo: “o humor de Damián me diverte muito", pontua o cineasta.


Sexo, violência, explosões, bebida, sangue e o elemento risível: este é o cenário de um filme que mostra tempos aterrorizantes que estamos inseridos. O homem permanece tão inseguro e instintivo, e até mais selvagem que seus ancestrais, os macacos, escondendo-se dos predadores e atacando-os para defender seu “habitat”.

domingo, 18 de janeiro de 2015

A Inesperada Virtude da Ignorância

2014 nos reservou produções de caráter coletivo, por vezes salientando a experiência libertária de idealizadores em âmbito cultural e também pessoal, a exemplo do aclamado Wild Tales (Relatos Selvagens), de Damián Szifron, ou Boyhood, de Richard Linklater, no entanto poderíamos definir Birdman, de Alejandro Iñárritu, a obra mais consistente do ano neste sentido, sem perder, todavia, o viés metafórico e ainda assim metalinguístico. É neste ponto que Birdman é tão especial. Uma obra despida de egos e a favor de um cinema questionador em sua forma, que perfila um amplo legado cultural de ontem refletido em ações presentes.

O cinema falando da própria indústria, dos blockbusters, espetáculos teatrais e formação mecânica de celebridades. Com boas doses de sarcasmo, a relação dessa dinâmica massacrante que submerge entre personagens frustrados do mundo artístico, aqui revelada em paranoias, medo da rejeição, na mais pífia inveja, e até na existência de duplas personalidades, encontra um cenário perfeito para que o diretor mexicano pudesse usar e abusar de planos sequências, uma vez emulando o exercício ensaiado que é o teatro (universo quase hegemônico no longa).

Já não bastasse o trabalho minucioso realizado na fotografia, a cargo de Emmanuel Lubezki, consagrado por trabalhos em Gravity (Gravidade), pelo qual recebeu estatueta do Oscar, além de The Tree of Life (Árvore da Vida) e Children of Men (Filhos da Esperança), a trilha sonora que sintetiza batidas não ritmadas de bateria durante toda a projeção do filme contribui para imersão do espectador na realidade conflituosa e desordenada da figura mór da trama, vivida por Michael Keaton, ator irônica ou propositalmente escolhido para o papel com intuito metafórico, desta vez estabelecido através da figura do herói, visto que o próprio Keaton não realizou qualquer trabalho substancialmente reconhecido desde Batman, parceria com Tim Burton nos anos 80.

Se os fantasmas de Michael Keaton o perturbavam, assim como acontece à sua extensão às telas em Birdman, agora não mais. O presente de Iñárritu ao ator já lhe rendeu premiação no Globo de Ouro e mesma indicação ao Oscar 2015. Keaton soube aproveitar a chance de provar toda a experiência da maturidade artística e usufrui, justa e dignamente, de grande reconhecimento no que alguns chamariam “a melhor performance da carreira” do ator. O longa ainda concorre em categorias como: melhor filme, diretor, fotografia, roteiro original, edição e mixagem de som, atriz coadjuvante, além ator coadjuvante pela performance pontual do também impecável Edward Norton. E se é na representação simbólica camuflada de realidade que Birdman agrega significado e encontra asas para voar, obter destaques em competições cinematográficas beira o profético dentro de sua construção temática. E por que não, mais uma vez, o irônico?