A
densidade da subsistência, o sobreviver na ausência de amar
encontram no primeiro longa-metragem de Leonardo Lacca, Permanência
(2014), espaço para combustão. Assim como café e água reagem à
fervura, o confronto entre Ivo (Irandhir Santos) e Rita (Rita
Carelli), outrora unidos num relacionamento esvaído pelo tempo,
liquefaz-se em elementos da nostalgia do reencontro. A química entre
eles emerge ao nível latente do desejo, entretanto, a
impossibilidade de mudança através de circunstâncias reafirmadas
num intervalo de separação, comprova o paradoxo temático de que
nem tudo provém da efemeridade das coisas. “Você mudou nada. Quer
dizer, mudou sim, mas muito pouco”, denuncia Rita.
A
conservação dos sentimentos, mesmo que subconscientemente, vem à
tona em fotos reveladas, cheiro, toque e memórias carregadas de
passado. Para os dois personagens, infindo, o real se oferta fugaz.
Revela-se o esplendor inserido naquele curto espaço temporal de
proximidade. O querer parte de ambos, mesmo com a notória certeza de
que um destino afetivo inexiste. Ainda assim é automática e
instantânea a crueza da oferta dos sentidos. Tendem, então, à
perceptividade da insatisfação da realidade que os cerca, e da
lacuna que um deixou na vida do outro.
Ivo,
uma vez hospedado na casa de Rita para que possa apresentar uma
exposição fotográfica em São Paulo; ela então casada, porém
generosa, oferece a ele o seu novo lar. O longa, reverberação do
curta “Décimo Segundo”, também da Trincheira Filmes, sugere a
partir deste curto período de convivência entre os personagens, uma
atmosfera extremamente densa ao espectador. Inevitável não ater-se
às dores da ruptura do que ali havia.
De
fotografia pontual, sonoridade sensorial, diálogos fortes de um
texto muito bem elaborado, com pinceladas cômicas, referências
cinematográficas geniais e alguns regionalismos, o drama se
desenvolve e encontra na caprichosa performance de Irandhir Santos, o
personagem alter ego do realizador da obra. Assim como François
Truffaut e a sua extensão dialética às telas, Antoine Doinel,
Permanência torna-se ainda mais especial quando possível
identificar características genuínas do diretor; de forma volúvel
nos é oferecido detalhes em torno de sua personalidade e visão de
mundo, aqui organizados numa escala mais atemporal.
O
resultado, portanto, não poderia ser outro, grande expectativa e
receptividade nas estreias do Festival do Rio e Janela de Cinema do
Recife. Os contínuos aplausos pós sessões quebram o silêncio da
reflexão proposto por Permanência, que caracteriza-se uma obra
aberta por manter inexplorados os problemas e conflitos vividos pelos
dois personagens principais, quando ainda em união. O que houve,
afinal? Em sua exploração pela natureza das necessidades, o filme
nos mostra os efeitos, mas não as causas. Permanência é sobre o
imperceptível que vaga, silenciosamente, por entre as relações
humanas.
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