No
ano presente, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
sanciona uma premiação de produções live action (de atores reais)
com padrões textuais e estilísticos insossos. Pouco se viu de
profundidade entre as obras concorrentes. A ausência de longas como
45 anos (Inglaterra) e Tangerine (EUA) já sinaliza certo desconcerto
entre as escolhas na categoria filme. Obras simplistas, puramente
contemplativas como O Regresso e Perdido em Marte elucidam o que é
(quase) uma constante entre os outros 6 candidatos ao prêmio.
Outra
lacuna (não menos importante) gerou extrema polêmica em Hollywood:
o “desprezo” por artistas negros. É sabido que a Academia não é
um corpo muito heterogêneo. De acordo com um estudo publicado em
2012, pelo jornal Los Angeles Times, 94% dos atores são brancos e
77% são do sexo masculino. Fácil imaginar que a falta de
diversidade será refletida nas premiações, onde o ostracismo
racial e de gênero faz morada. #OscarsSoWhite
Todavia,
se há algo de notoriedade que vale destaque na competição deste
ano é sem dúvidas a categoria das animações. Os 5 filmes
concorrentes, incluindo a grata surpresa, O Menino e o Mundo
(Brasil), de Alê Abreu, trazem na suposta infantilidade que o
desenho empresta, a maturidade para tratar de conceitos muito
específicos.
Definitivamente
no ano de 2016 o Oscar nos prova que animação não é “filme para
criança”(ou somente para elas). O enredo da produção brasileira
de Abreu narra a história de um menino que parte em busca do pai e
em simultaneidade desperta para o mundo e para a força da
imaginação. Na obra temos referências a They Live, de John
Carpenter, ao tratar claramente da exploração de mão de obra e
sociedade de consumo. E porque não também menções estéticas a
Metropolis, de Fritz Lang e a oprimida cidade dos operários? Além
disso, como não recordar de Se Meu Apartamento Falasse, do mestre
Billy Wilder? O personagem vive pra trabalhar, e trabalha pra viver,
finalmente retorna à casa depois de uma longa jornada de trabalho,
esquenta sua comida congelada, e solitário assiste aos truques de
uma mídia dominadora através da tela de um velho aparelho
televisivo. Ainda que explorando conceitos tão pesados a narrativa
de Abreu consegue ser poética e sensível. Um filme forte. De cores
mil. Uma grande aquarela, regada a sonoridades majestosas, melodias
marcantes, compostas em grande parte pelo artista Naná Vasconcelos.
A obra se torna muito peculiar também porque é extremamente
sensorial, ao passo que a linguagem verbal é deixada de lado. Eu
diria este ser um dos maiores acertos do cinema nacional em anos.
Já
no formato artesanal de stop-motion (a animação quadro a quadro
utilizando bonecos de massa de modelar) temos em competição o
americano Anomalisa e o britânico Shaun, o Carneiro. Anomalisa por
Charlie Kaufman, roteirista de Brilho Eterno de uma Mente sem
Lembranças; Quero Ser John Malkovich; Synecdoche, New York;
Adaptação; e outros sucessos. Shaun, produzido pelos estúdios da
Aardman Animations, recheado de emotividade traz os personagens que
nasceram no terceiro curta metragem de Wallace & Grommit, A Close
Shave (1995), e que depois acabaram ganhando uma série própria, com
episódios divididos em 4 temporadas. Assim como na série, no filme
não há diálogo, embora os animais se apropriem de vários
trejeitos humanos, o que acaba criando parte da atmosfera de humor do
longa.
Não
há durante toda projeção um único frame que não tenha um
propósito bem definido. Tudo está muito bem amarrado pelos
roteiristas e diretores Mark Burton e Richard Starzak. Sem excessos,
os dois conseguem ao mesmo tempo apresentar os personagens a quem
nunca viu Shaun e também revisitar situações da série.
Entretanto, a produção permanece sendo minha menor aposta para
vencer.
Anomalisa,
por sua vez, acompanha Michael Stone, pai de família que está de
passagem por uma cidade para palestrar. Aparentemente Stone está
alheio a tudo e todos, as vozes que ouve parecem ter todas o mesmo
som, e até as trivialidades parecem aflitivéis, como interagir com
um taxista ou pedir comida no hotel. A artificialidade do stop-motion
reforça tamanha estranheza quando até mesmo se mover parece uma
tarefa árdua para Michael. Mas é no desejo carnal da infidelidade
que ele encontra a solução contra a prostração constante.
É
nesse ritmo que filme ganha seriedade de um drama adulto, com direito
a nus frontais, cenas de sexo e diálogos introdutórios ao mal-estar
contemporâneo personificado no próprio Michael e no vazio de sua
vida.
A
metáfora do hotel ser um não-lugar suspenso da realidade me recorda
em muito algumas sequências de Barton Fink, dos irmãos Coen, onde o
dramaturgo Fink vai para Hollywood escrever roteiro para um filme B.
Ele se hospeda num hotel e objetiva ficar longe de tudo para
trabalhar, quando é acometido por um súbito bloqueio criativo.
Michael e Fink, perdidos em suas próprias escolhas.
Charlie
Kaufman, portanto, continua sendo um amplificador em problematizar
nossas angústias modernas e narrá-las. Anomalisa encontra vantagem
em ser exatamente todo esse grande drama intimista que duvidaríamos
encontrar numa animação.
É
feliz também notar as diversas nacionalidades das obras em
competição, a exemplo de mais uma trazida pelo sublime Estúdio
Ghibli, As Memórias de Marnie (Japão). O longa escrito e dirigido
por Hiromasa Yonebayashi é definitivamente um produto da casa, que
faz dessa história de fantasmas um dos filmes mais "terrenos"
do Estúdio Ghibli.
As Memórias de Marnie trata sobre a amizade de
Anna, uma menina solitária, enviada para morar temporariamente com
seus tios para cuidar da saúde, e Marnie, uma misteriosa jovem que
Anna acredita ser fruto de suas fantasias. O romance infanto juvenil
contempla os dois motes principais dos filmes do Ghibli: o contato
com a natureza e o elemento feminino. Além disso, As Memórias de
Marnie substitui o onírico por um drama mais introspectivo e de contato
com o mundo. Embora a trama de As Memórias de Marnie se desenrole
entre lembranças e sonhos, tudo de que Anna precisa para crescer é
palpável e está na natureza. O longa se aproxima também de emular
as dores do crescimento, que justamente são esses instantes de
comunhão mais direta com a natureza. Uma obra arrebatadora!
Entretanto,
não escondo de quem perguntar: meu favorito permanece sendo
Divertida Mente (EUA). A Disney em mais uma parceria com a Pixar
retorna à sua melhor forma nesta animação escrita e dirigida por
Pete Docter, conhecido pelos anteriores Up, Altas Aventuras; Os
Incríveis; Toy Story; WALL-E e outros tantos.
O
que mais me impressiona aqui é o roteiro, porque temos o estudo de
conceitos completamente abstratos. Afinal, a trama gira em torno (e
dentro) da mente de uma garotinha. Então como não relacionar esta
obra com Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo mas Tinha Medo
de Perguntar, de Woody Allen? As referências são claras e
maravilhosas.(Vejam também!) Enfim, dentro da garotinha Ridley estão
os verdadeiros protagonistas, as cinco emoções responsáveis por
sua condução: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho (ou
repulsa). Cada emoção possui cor e temperamentos próprios, num
primoroso estudo imagético. Na verdade, Divertida Mente é
psicologia pura. Vários são os conceitos adaptados em alegorias: o
poder do inconsciente e sonhos; a sexualidade e até mesmo a
depressão. Divertida Mente discursa ainda contra a vilanização da
tristeza e mostra a importância de lidar com ela no cotidiano, ao
invés de afugentá-la de toda maneira.
A
Pixar conseguiu, ao longo dos anos, criar universos bastante
criativos a partir de situações inusitadas. Assim foi com Toy Story
(universo dos brinquedos), Procurando Nemo (a vida no oceano),
Monstros S.A. (uma criança como ameaça aos monstros) e outros
tantos. Com Divertida Mente o estúdio se superou, porque além de
tudo ainda teve que buscar meios extremamente criativos para tornar
concreto e viável algo que não é palpável, tornando a produção
digesta para todos os públicos.
Uma
pena pro Brasil concorrer no mesmo ano de uma produção tão... tão
“apelativa”, no melhor sentido que a palavra possa ter. Divertida
Mente tem tudo para levar a estatueta e provavelmente levará.
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