quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Top 5 filmes 2015



Em 2015 muitas gratas surpresas no mundo cinematográfico surgiram e me fizeram reafirmar a confiança, em especial, na consistência da produção nacional. Sintetizo, neste texto, cinco películas, entre elas, duas nacionais, que mais me encheram os olhos neste ano que chega ao fim, seja pela densidade de seu discurso, pela desconstrução estética, ou até pelo destemor em buscar na tradição literária as sementes para criatividade imagética.


5. Love, de Gaspar Noé

Em Love, primeiro longa 3D de Noé, a narrativa não-linear não dissimula ou camufla, e sim desnuda o estudo acerca dos recorrentes estágios da história de um casal: o ideal romântico, quase platonizado, a posse, a traição, o desencanto e o desapego sofrível do término. Aqui, o honesto Noé nos insere em profundidade na rotina dos amantes, quase como voyers – o artifício do fade out em repetição curta e rápida torna isso ainda mais verossímil. O diretor nos promete novamente algo em completa contramão ao habitual, e em mais uma de suas experiências sensoriais - mais sentimental do que sensorial, por assim dizer -, trouxe-nos o amor como pauta para discussão. Ok, tema desgastado pela abordagem facilitadora de identificação. Só que o que Gaspar faz é ainda assim inédito. Ele recheia o longa de cenas de sexo explícito e discussões de gênero em torno de sexualidade e fidelidade. Nada mais natural, visto que o sexo é inerente às relações humanas, sejam elas quais forem. Censurar isso é como ignorar nossa existência.

Lágrimas, sangue, esperma: os fluidos quais tipificam nossa pluralidade estão em comunhão potencializada em Love. A linguagem metalinguística, por sua vez, é a grande protagonista da obra que torna-se uma estonteante combinação entre hiper-realidade e vanguarda, e, sem propor classificações de gênero, supera qualquer tipo de convenção. Uma experiência cinematográfica que não se pode deixar de ter.


4. A Pele de Vênus (La Vénus à la fourrure), de Roman Polanski



Produzido em 2014, mas em cartaz somente em 2015, é em A Pele de Vênus que Polanski se desnuda. Isso porque o diretor parece tratar de questões pessoais da forma mais franca possível, num jogo metalinguístico que expõe em demasia a figura do próprio artista. O livro do século XIX que deu origem ao roteiro do filme, trata do fetiche de um homem que se torna escravo de uma mulher, com direito a chicotes e afins. O livro em si já é autobiográfico, visto que o escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch reproduziu as relações de dominação que mantinha em sua vida íntima. O masoquismo, tema principal do romance, é um termo criado a partir do sobrenome do escritor.

No filme de Polanski, adaptação ao cinema da peça homônima de David Ives, um diretor de teatro está em busca uma atriz principal para sua releitura do livro e o processo também traz à tona vários dos seus conflitos. O filme, que se passa inteiro num teatro, é composto pela disputa de poder entre o artista e sua musa. Para isso, Polanski intercala o onírico e o mundano, num exercício que nos relembra de que a atriz jamais poderia ser somente um arquétipo fruto da fantasia.

De modo geral, A Pele de Vênus, então, é o resultado das inúmeras cruzes que Polanski carregou ao longo da vida, além de uma representação incontestável de relações de sexo e culpa que o cineasta exorciza na sua obra. Embora este seja um filme genuinamente aberto por tratar de filosofia, arte, autoconhecimento, Polanski é um impecável maestro da encenação, na noção mais pura do teatro, que é tornar a linguagem verbal uma expressão corporal.


3. Boi Neon, de Gabriel Mascaro

O pernambucano Boi Neon e traz um microcosmo muito particular, o dos trabalhadores nômades de vaquejadas, obrigados a viajar entre cidades onde os eventos são sediados. A função de Iremar (Juliano Cazarré) é preparar os bois para os torneios, ao mesmo tempo que neste ínterim sonha em se tornar desing de moda. Um “boi neon”, um “vaqueiro estilista”, utopias discrepantes, distantes, quase irreais. Todavia, o personagem insiste em desenhar roupas, criar modelos, até que, assim como os bois, imprensados entre as cercas, percebe que não há escapatória. Sonhar é consentido, pois dinamiza o corriqueiro de nossas vidas, desde que a realidade nos aprisione logo em seguida.

Gabriel Mascaro trabalha na densidade de um enredo que não nos engana: por mais onírico que pudesse ser, há uma pontual perversão de expectativas. A frustração toma o lugar da idealização.O longa-metragem declara também que rótulos reduzem nossa pluralidade. Julgar deliberadamente é minimizar o ser. As figuras de Galega (Maeve Jinkings) e sua filha, a garotinha Cacá (Alyne Santana) refletem justamente isso, a dureza de uma vida onde a mulher é subjulgada por realizar um trabalho “genuinamente” masculino.

Tecnicamente: muita luz natural, fotografia escurecida em planos fechados, personagens imprensados por cercas e cortes abruptos. Tudo isso através de nós mesmos, espectador observador de uma narrativa de formas cronologicamente lentas, uma rotina sem fim; linear. Boi Neon se preocupa com o futuro, mesmo que apenas por meio de idealismo, apresentado em suas fragilidades, incoerências e decadências.


2. Que Horas Ela Volta, de Anna Muylaert



Regina Casé assustadoramente impecável no papel da empregada Val, que trabalha para uma família de elite em São Paulo, não vê sua filha há tempos. Ao exercer a função de doméstica, inconscientemente a substituiu pelo filho dos patrões que ajudou a criar. No entanto, Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, sai de Pernambuco para prestar vestibular em São Paulo e o reencontro com a mãe se torna uma luta de classes dentro do casarão, onde o filme hegemonicamente se dá.
Regina Casé traz a anulação do estereótipo da nordestina tipicamente mostrada nos dramas novelescos da Globo. Já Camila Márdila nos revela a indignação que não há na personagem de Val, a revolução. Já a patroa vil (Karine Teles), beira uma caricaturada vilã dos contos Disney, além do pai da família (Lourenço Mutarelli), figura de um homem frouxo e recessivo. A obra é repleta de metáforas e acidez através do elemento risível, e concorre a uma vaga na categoria de filmes estrangeiros na premiação do Oscar 2016.


1. Divertida Mente (Inside Out), de Peter Docter



A Disney em mais uma parceria com a Pixar, retorna à sua melhor forma nesta animação escrita e dirigida por Pete Docter. O que mais me impressiona na obra é o roteiro, porque temos aqui o estudo de conceitos completamente abstratos. Afinal, a trama gira em torno (e dentro) da mente de uma garotinha, Riley, tendo como protagonistas as cinco emoções responsáveis por sua condução: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho (ou repulsa). Cada emoção possui cor e temperamentos próprios, num primoroso estudo imagético. Na verdade, Divertida Mente é psicologia pura. Vários são os conceitos adaptados em alegorias: o poder do inconsciente e sonhos; a sexualidade e até mesmo a depressão. Divertida Mente discursa ainda contra a vilanização da tristeza e mostra a importância de lidar com ela no cotidiano, ao invés de afugentá-la de toda maneira. Inclusive, a personificação desse sentimento no filme é uma das personagens mais carismáticas e queridas dos espectadores.

A Pixar conseguiu, ao longo dos anos, criar universos bastante criativos a partir de situações inusitadas. Assim foi com Toy Story (universo dos brinquedos), Procurando Nemo (a vida no oceano), Monstros S.A. (uma criança como ameaça aos monstros) e outros tantos. Com Divertida Mente o estúdio se superou, porque além de tudo ainda teve que buscar meios extremamente criativos para tornar concreto e viável algo que não é palpável, tornando a produção digesta para todos os públicos.

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